Vivemos uma era em que a disrupção digital é celebrada como o motor do progresso corporativo. Empresas despejam bilhões em tecnologia com a expectativa de eficiência operacional, vantagem competitiva e crescimento exponencial. No entanto, a realidade frequentemente contradiz essa promessa. O que se vê não é uma transformação digital que impulsiona os resultados financeiros, mas um inchaço nos custos operacionais e uma crescente complexidade tecnológica que muitas vezes paralisa o próprio avanço que deveria estimular.
O problema não está na tecnologia em si, mas na forma como ela é concebida, implementada e gerida. A lógica deveria ser simples: mais investimento tecnológico, mais retorno. Mas essa equação desmorona quando se observa que boa parte dos investimentos se perde em iniciativas desalinhadas, infraestruturas desnecessariamente complexas e uma cultura corporativa que ainda enxerga a TI como um suporte, e não como um pilar estratégico.
Muitas organizações ainda operam sob um modelo de gestão de tecnologia obsoleto, sem uma visão clara de como transformar inovação em vantagem competitiva sustentável. Esse fenômeno, descrito pela Lei de Conway, evidencia que os sistemas e processos tecnológicos de uma empresa refletem sua estrutura organizacional – e, se essa estrutura for burocrática, fragmentada e desalinhada, seus investimentos em tecnologia seguirão a mesma lógica ineficiente.
As falhas são múltiplas. Orçamentos bilionários são alocados sem uma estrutura clara de mensuração de impacto, resultando em iniciativas que não se traduzem em ganho financeiro. Infraestruturas de nuvem, inteligência artificial e automação são adquiridas sem uma estratégia bem definida, criando um labirinto de custos recorrentes que mais consomem recursos do que geram valor. Muitas empresas caem na armadilha da modernização superficial, apenas empilhando novas tecnologias sobre sistemas legados, adicionando camadas de complexidade sem uma real revisão de processos, cultura e estratégia.
Outro grande obstáculo está na desconexão entre tecnologia e negócio. Enquanto os times de TI discutem uptime, latência e escalabilidade, a alta liderança busca respostas concretas sobre crescimento de receita, eficiência operacional e redução de custos. Esse desalinhamento impede que os investimentos tecnológicos se traduzam em resultados tangíveis, perpetuando um ciclo de frustração e desperdício. Além disso, a ausência de uma cultura robusta de governança financeira digital faz com que o orçamento de TI se torne um monstro incontrolável, sem métricas claras de retorno sobre investimento.
Reverter esse cenário exige uma mudança profunda na forma como as empresas encaram a tecnologia. O primeiro passo é estabelecer uma meta clara de eficiência tecnológica e financeira, tratando o orçamento de TI como um investimento estratégico vinculado a objetivos de negócios mensuráveis. Frameworks como FinOps podem ser adotados para garantir uma governança eficiente dos custos, enquanto a prática do orçamento base zero força uma revisão contínua dos investimentos, assegurando que cada real aplicado gere valor tangível.
Mais do que nunca, tecnologia deve ser um pilar central do negócio, e não uma função de suporte. Para isso, o alinhamento entre CTO e CFO é essencial. É preciso criar métricas de sucesso que conectem diretamente inovação tecnológica ao crescimento da receita e à expansão de mercado, evitando que a TI se torne um centro de custos isolado. Empresas que estruturam sua cadeia de valor em domínios e subdomínios bem definidos conseguem traduzir sua estratégia de negócios em uma arquitetura tecnológica coerente, reduzindo silos organizacionais e garantindo que os investimentos sejam focados no que realmente impulsiona o crescimento.
A modernização da infraestrutura não pode ser encarada como um simples upgrade tecnológico, mas como uma estratégia de redução de débito técnico e aumento da escalabilidade. Arquiteturas modulares e interoperáveis são fundamentais para evitar a armadilha do crescimento desordenado da complexidade. Times multidisciplinares, estruturados por domínios de valor, devem assumir a responsabilidade pelo desenvolvimento e pela operação, garantindo que a tecnologia sirva ao negócio e não o contrário.
Acima de tudo, cada projeto tecnológico deve estar sustentado de forma sólida, com métricas de impacto financeiro claras. Iniciativas que não demonstram retorno real são apenas experimentos caros. A questão central não é o quanto se investe em tecnologia, mas o quanto se gera de valor com ela.
*Por Marcelo Oliveira, Diretor de Estratégia na Verity.