O Brasil vive um momento de transformação decisiva em sua infraestrutura digital e energética. A combinação entre a expansão dos data centers, o avanço das políticas de descarbonização e a consolidação da matriz elétrica renovável cria um cenário de oportunidades estratégicas para as empresas de telecomunicações.
Em um contexto global que exige operações mais limpas, resilientes e digitalizadas, o país se posiciona como um dos destinos mais promissores da América Latina para investimentos sustentáveis em tecnologia. Para as empresas de telecomunicações, essa convergência entre infraestrutura digital e energia verde representa uma oportunidade sem precedentes para crescer de forma competitiva e responsável.
Nos últimos anos, o Brasil consolidou uma das matrizes elétricas mais renováveis do mundo. De acordo com o Balanço Energético Nacional 2025, 88,2% da eletricidade gerada no país provém de fontes renováveis, sendo que as fontes solar e eólica já respondem por 24% da geração total. Em 2024, o país registrou a maior expansão elétrica da sua história, com um acréscimo de 10,85 gigawatts (GW) à capacidade instalada, dos quais 91% vieram de energia solar e eólica, segundo o Ministério de Minas e Energia.
Essa base energética robusta e cada vez mais limpa representa uma vantagem competitiva fundamental para setores intensivos em energia, como o de data centers, cuja operação depende de alto consumo elétrico e estabilidade de fornecimento.
A solidez da matriz energética vem acompanhada de mudanças regulatórias que incentivam práticas corporativas sustentáveis. Em dezembro de 2024, o governo federal sancionou a Lei nº 15.042, que cria o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE) — o primeiro mercado regulado de carbono do país. A Lei nº 15.042/2024, sancionada em dezembro do ano passado, instituiu o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE) — o primeiro mercado regulado de carbono do país.
O SBCE estabelece limites de emissões, cria cotas e certificados de redução verificados, e define um sistema de medição, relato e verificação (MRV) obrigatório. A expectativa do Ministério da Fazenda é que o mercado entre em operação plena até 2026, abrindo espaço para que empresas que reduzam emissões possam negociar créditos de carbono. Trata-se de um marco histórico: o Brasil passa a contar com uma política de precificação do carbono alinhada aos padrões internacionais e capaz de incentivar práticas corporativas sustentáveis em larga escala.
Paralelamente, há forte participação nos mercados voluntários de créditos de carbono. Iniciativas como as do estado do Tocantins e dos programas de REDD+ e de restauração florestal estão gerando créditos certificados.
As parcerias como o ProFloresta+ (Petrobras + BNDES) visam restaurar grandes áreas da Amazônia, capturando milhões de toneladas de CO₂. O ProFloresta+ visa selecionar projetos de restauração ecológica com espécies nativas que, a partir do reflorestamento das áreas degradadas, gerarão créditos de carbono.
Enquanto isso, o mercado de data centers mantém ritmo acelerado de expansão. De acordo com levantamento da consultoria Arizton (2024), o Brasil conta atualmente com mais de 160 data centers em operação e outros em construção, concentrados sobretudo em São Paulo, Rio de Janeiro e Ceará. A capacidade instalada deve crescer de 740 MW em 2024 para mais de 1.200 MW até 2029, o que representa um crescimento médio anual de cerca de 10%. Em valores de investimento, o setor deve movimentar entre US$ 5,9 e US$ 7 bilhões até 2030, impulsionado por demandas crescentes de computação em nuvem, inteligência artificial, fintechs e edge computing.
Esse avanço ganha força com políticas públicas voltadas à sustentabilidade. O governo federal, por meio do Programa REDATA (Medida Provisória nº 1.318/2025), está implementando um regime especial de tributação para data centers, com incentivos fiscais vinculados a critérios ambientais. Para se qualificar, os projetos devem comprovar o uso de 100% de energia renovável, adotar medidas de eficiência hídrica e energética e destinar parte da capacidade para serviços domésticos. As empresas que aderirem ao regime poderão obter isenção de impostos federais, como PIS, Cofins e IPI, além da suspensão de tarifas de importação sobre equipamentos de tecnologia.
O cenário, portanto, é de convergência entre tecnologia e sustentabilidade. Essas iniciativas mostram que a transição digital e a transição energética estão se tornando processos complementares e interdependentes. As telecomunicações — base de toda a conectividade nacional — estão no centro dessa convergência. Empresas do setor podem se beneficiar diretamente dessa nova agenda verde em diversas frentes. A primeira é a otimização de investimentos (CapEx) por meio dos incentivos fiscais e regulatórios de programas como o REDATA, que permitem reduzir custos de implantação de data centers e acelerar a expansão da capacidade digital.
Outra oportunidade relevante é o acesso à energia limpa e estável por meio de contratos de longo prazo (PPAs), autogeração solar e eólica ou geração distribuída, o que permite reduzir riscos e controlar custos de operação. Em paralelo, a entrada em vigor do mercado regulado de carbono cria um campo específico de atuação: as operadoras podem não apenas mitigar suas próprias emissões, mas também gerar receitas adicionais com a comercialização de créditos de carbono provenientes de projetos de compensação ou de eficiência energética.
A criação do mercado regulado de carbono também inaugura um campo de atuação relevante. As companhias poderão não apenas mitigar suas próprias emissões, mas também gerar receitas adicionais com a comercialização de créditos de carbono originados de projetos ambientais ou de eficiência energética.
O movimento de grandes players de tecnologia já indica essa direção. Companhias como Google e Microsoft têm investido em data centers brasileiros movidos a energia renovável e em programas de aquisição de créditos de carbono por meio de startups nacionais. Isso reforça o papel estratégico do país como hub regional de infraestrutura verde e digital.
Os benefícios, contudo, vêm acompanhados de desafios. A infraestrutura elétrica ainda é desigual entre as regiões, e algumas áreas sofrem com gargalos de transmissão e instabilidade. O atendimento a padrões ambientais mais rigorosos também implica custos iniciais mais altos e processos de licenciamento mais complexos. Além disso, o sucesso do mercado de carbono dependerá da transparência e da credibilidade dos créditos emitidos, exigindo mecanismos robustos de verificação e rastreabilidade.
Mesmo com essas barreiras, o Brasil reúne condições únicas para liderar a transição digital sustentável da região. A expansão recorde da matriz renovável, a regulação moderna do carbono e os incentivos fiscais direcionados a projetos verdes criam um ecossistema propício para inovação. Para o setor de telecomunicações, trata-se de um ponto de inflexão. As empresas que anteciparem movimentos e estruturarem suas operações com base em energia limpa, eficiência e responsabilidade ambiental estarão à frente não apenas em competitividade, mas também em reputação e atração de investimentos e aderência a critérios internacionais de ESG.
A interseção entre expansão de data centers, energia limpa e regulação de carbono representa, portanto, uma oportunidade ímpar. O país está diante de uma oportunidade de consolidar um modelo de desenvolvimento digital sustentável. As companhias que compreenderem que o futuro das telecomunicações é, ao mesmo tempo, digital e verde, estarão na linha de frente da nova economia sustentável que se consolida no Brasil.
Por Rui Faria, CCO & Board Member da Angola Cables.





